Conquista
Joice Cruz faz história ao violino
Recital de formatura da paulista ocorre nesta sexta-feira (2), às 20h, no Conservatório de Música da UFPel
Carlos Queiroz - Violinista quer seguir na carreira acadêmica
Uma mulher preta, de 34 anos, da periferia da capital paulista veio para Pelotas para fazer história. Ao desistir do curso de graduação em Administração para cursar o bacharelado em Música na habilitação em Violino, Joice Cruz escolheu reescrever a própria trajetória e, sem saber, colocou um capítula a mais na da Universidade Federal de Pelotas ao se tornar a primeira negra a se formar nesse instrumento. O marco é celebrado sexta-feira (2) com o recital de formatura que ocorre no Conservatório de Música, às 20h.
Joice Cruz nasceu no bairro da Freguesia do Ó e não tem tradição de músicos na família, mas desde muito cedo se interessou por música e, a partir de um projeto de iniciação musical na igreja evangélica que frequentava, apaixonou-se por violino. "Eu não sou de uma família rica, mas meu sonho sempre foi estudar música", conta. Mas chegou a época da faculdade e ela pensou que não seria possível uma graduação em música para ela em uma universidade pública e pior, temia não conseguir se sustentar na profissão. "Música é difícil no Brasil", lembra o que pensava na época.
O medo de passar dificuldades nesta profissão a levou ao curso de Administração de Empresas. Joice ficou por esta graduação por três anos, mas não se via nada feliz. Nessa época ela seguia tocando em diferentes projetos com os aprendizados iniciais que teve na igreja, quando um amigo que entrou na universidade aqui em Pelotas a estimulou a tentar também.
A graduação se tornou realidade por meio do Enem em 2016. Para estar em Pelotas Joice se demitiu da empresa onde trabalhava e deixou a família com o coração apertado. No início os pais apoiaram, mas quando viram que ela estava mesmo determinada a fazer a mudança ficaram assustados. "Eles me perguntavam se eu ia mesmo. Diziam: você não conhece ninguém, como tu vais te manter lá?", relembra.
Essa era uma preocupação também da estudante, que contou com as política públicas para realizar o sonho. "Não fossem as bolsas eu não teria chegado até aqui, mas tive dificuldade no início porque demora até sair o resultado."
A estudante conquistou o auxílio moradia e o auxílio alimentação. "Os valores não são muito altos, tanto é que nos lugares onde morei eram bem baratos e um tanto precários, mas deu pra me virar, conseguir estudar no meu canto."
O curso tem duração de oito semestres, mas a estudante conta que entrou com pouco conhecimento no curso, por este motivo foi indicado que ela fizesse um ano a mais, antes de entrar nas disciplinas específicas do instrumentos, para aprender técnicas básicas. "No Brasil a gente não tem ensino de música na escola ou tu estuda com professor particular em outro lugar ou não tem mesmo. Eu tive amigos que entraram no curso sem nunca terem visto uma partitura, sem tocar um instrumento e desistiram, porque o curso é feito pra quem já teve essa iniciação", comenta.
Porém saber ler partituras e ter conhecimentos do violino não a livraram de ter dificuldades e em praticamente em todos os semestres ela pensou em desistir. Joice lembra que chegou na graduação com um violino bem precário, para iniciantes. No primeiro dia de aula o professor Tiago Ribas, que a acompanhou durante toda a trajetória acadêmica, disse que ela teria de trocar o instrumento. O que ocorreu só dois anos após o início. "Mesmo com esse violino o professor falou: Tu mereces um violino melhor ainda", conta.
Passados os perrengues, a estudante está feliz por ter quebrado tantas barreiras e ter se estabelecido como a primeira formanda negra no violino da UFPel e ser a primeira pessoa da família a se formar em Música e numa universidade pública. Agora, Joice quer com essa conquista estimular as meninas pretas da sua comunidade a pensarem que elas podem também. "A música de concerto acaba sendo bastante elitista, violino não é um instrumento barato, a manutenção não é barata, mas é possível."
De volta a São Paulo
Após formada, Joice quer seguir na área acadêmica e já pensa no mestrado e doutorado. A intenção é desenvolver a pesquisa que iniciou para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que ela já defendeu.
A estudante conta que a mãe é deficiente visual em decorrência da diabetes, quando isso aconteceu ela conheceu uma senhora com a mesma deficiência e que queria aprender a tocar violino, porém a instrumentista não encontrou nenhuma didática específica para esses casos. "Eu já dava aulas nessa época para iniciantes e a nossa abordagem é: vá conferir sua postura na frente do espelho. E pra uma pessoa que não enxerga como faz?"
Joice chegou a pesquisar, mas não encontrou nada específico e deu aulas do seu jeito mesmo. "No meu TCC fiz diretrizes de como criar um método de ensino de violino para deficientes visuais, no doutorado quero criar mesmo esse método."
Programa
Na noite desta sexta-feira (2) Joice vai fazer um programa misto com músicas de concerto com popular, com composições de Georg Philipp Telemann, Wolfgang Amadeus Mozart e Bob Marley, entre outros. Além da violinista, estarão presentes os violinistas Tiago Ribas, André Amaral, Maéli Nunes, Estevão Santana e Ricardo Silva, além do pianista Daniel Benit. A orientação é do professor Ribas.
Serviço
O quê: recital de formatura de Joice Cruz em violino
Quando: sexta-feira (2), às 20h
Onde: Conservatório de Música da UFPel, na rua Félix da Cunha, 651
Entrada franca
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